domingo, 22 de setembro de 2013

O Querer de Maria


Começou com um querer pequeno, desses que a gente quer e sabe que pode querer sem susto. Olhou com carinha de anjo pra mãe, que se ria toda quando os olhinhos de Maria brilhavam daquele jeito. Quer filha? A menina queria, queria a boneca de pano de pernas compridas que podiam ser trançadas, um encanto.

Maria teve o pequeno querer. Brincou um pouco com ele, quis tudo o que podia naquela hora de novidade. Antes o sol dormisse, já estava a boneca tão querida outrora entregue ao tempo.

Maria teve muitos "quereres" como aquele, um livro de histórias comprido de onde pulavam castelos e princesas, um lápis de cor colorido que riscava um arco-íris em cada traço, um urso de pelúcia malhado com uma mancha vermelha no olho, um caderno cujas folhas se abriam e dobravam de tamanho e ainda um chocolate que não derretia.

A mãe de Maria já estava preocupada com tanto querer. Ficava parada olhando para filha, enquanto a menina se apaixonava e desapaixonava pelas coisas. Parada na soleira da porta vendo a filha brincar, ela pensava: Imagina quando for amor! Quando o querer de Maria tiver que encontrar o querer de mais alguém. Pior ainda, se esse “querer” deixar de querer da noite pro dia, aiaiai, coitada da minha filha!

O tempo passou e Maria cresceu, quis muita coisa até ficar mulher. Naquele mesmo dia, parada em frente ao portão, cobiçando o vestido da vizinha que se agitava no varal, viu o querer mais bem quisto que poderia. O moço passou pedalando sem pressa, olhando pra cima como se adivinhasse o tempo. Vem chuva? Veio. A chuva caiu bem forte, seguida de um vento que arrastava o vestido da vizinha pelo quintal. 

O vestido se prendeu a cerca, da cerca foi para o portão e do portão para o rosto do moço, que perdendo o controle, caiu bem em frente à casa de Maria.

A moça parou, com um sentimento confuso, vendo ali duas coisas que queria muito, bem aos seus pés, o vestido, agora ensopado e de cor duvidosa, bem diferente da que parecia ao agito do vento e o moço, com cara de susto, todo molhado e sem nome.

Maria correu para ajudar, pegou primeiro o vestido da mão do rapaz e pendurou no ombro. Depois levou o moço pra dentro de casa e pediu ajuda para a mãe.

Enquanto a mãe fazia os curativos no joelho e na mão do acidentado, Maria cobiçava. Sonhava até que vestia o vestido da vizinha e os dois dançavam juntos, rindo sem parar. Maria cobiçou, quis demais, sonhou alto e fez que o moço quisesse também.

Na agonia de querer sem fim, os dois se casariam três meses depois.  Maria queria um sim na frente do padre, queria festa e queria bolo, queria muito!

 Na hora de proferir a palavra que faria de Maria a mulher mais satisfeita de seu querer, o rapaz arredou. Gaguejou pra dizer alguma coisa, mas nada disse.

Maria quis sumir. Pensava como era possível, ela ali, tão linda e querendo tanto, estar de frente com o não querer.

Passaram os dias e Maria achou melhor acreditar que quem não quis foi Deus. Afinal, Deus só queria o melhor para ela e quem sabe não teria sido bom assim?

O problema era que agora Maria queria muito esquecer e percebia que quanto mais queria, lá estava o não querer, parado bem em sua frente, gaguejando.

A Mãe de Maria, acostumada com os desejos da filha, resolveu aconselhar: Maria querida, porque ao invés de querer tanto alguém, você não encontra alguém que lhe queira mais?

Foi o que a moça fez, tratou de procurar alguém que a quisesse, e quando encontrou, o levou diretinho para o altar só para ouvir o sim que esperava. Teve o sim, teve bolo, teve festa, teve casa nova, teve amor que cresceu com o querer do outro, teve filho e teve a certeza de que dá  pra ser feliz, mesmo sem querer.


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O querer de Maria de Juana Correia é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.

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